quinta-feira, abril 08, 2010

Gelo

O frio demorou a acabar, mas agora queimo a pele como no Verão.
Tenho saudades da Primavera, do conforto do meio-termo, de não ser tudo polarizado, chuva ou sol, empatia ou zanga, ruína ou luxo.
Hoje não soubémos ser Primavera...

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Ambiguidade

Não tenho saudades de casa, tenho saudades de ser, aí, onde o familiar me descansava. Tenho saudades da segurança de vos ter por perto. As saudades crescem alimentadas pelo confronto constante com o que é diferente e me causa estranheza. Sinto-as a arder na pele como feridas abertas de ter arrancado, com força e pressa a mais, as raízes que me prendiam os braços e as pernas ao que aí era meu. Doi-me a amputação, dor fantasma de partes de mim que já não tenho. Aqui, sinto-me intranquilo, a novidade traz-me o desassossego. Desenham-se dentro de mim imagens ambíguas e desarmoniosas, a projecção simultânea do mesmo objecto com lentes diferentes: a do desconforto e a do deslumbramento. Se, por um lado, me falta o que é habitual, por outro, arrebata-me e enche-me os sentidos o que é diferente. Como o mar gelado de Helsínquia...


A partilha é sempre terapêutica para mim...

terça-feira, janeiro 30, 2007

Pretty things

Sou confrontado todos os dias com a plenitude deste sentimento, de como ele me ocupa os interstícios e se torna parte de mim. Sinto uma torrente quente a cair em cascata dentro de mim quando a música e as palavras te trazem até mim. E ainda assim...
...sinto-me agora numa bola de vidro que agitam para ver as cores prateadas que ficam a flutuar, envolve-me sempre esta a beleza complexa de Janeiro. Como uma manta gelada, o ar arrepia-me a pele, gela-me os pulmões, paralisa-me as lágrimas, que não chegam a escorrer pela cara. Sacia-me os olhos o verde que está por toda a parte e o contraste dramático com a horizontalidade branca a perder de vista...mas procuro-me por toda a parte e não me satisfaz a descoberta, cai-me na boca o sabor acre e doce de uma procura vã... Sinto por dentro a força centrípeta da complementaridade negada.

Falta-me encontrar a parte de mim que levaste contigo...

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Deus

Hoje saí de casa para me encontrar contigo. Vesti o casaco e fui à procura, porque sinto a tua falta. Estás na minha vida, mas não te encontro nem te toco. Faço o caminho até ao lago sozinho e procuro um lugar onde estejas tu e mais ninguém, onde só se oiça o bater da neve nos braços e onde nem o vento agite o branco dos ramos. Tinha o coração pesado e precisava sentir o conforto da tua presença.
Quando encontrei o lugar, parei na margem imprecisa e inspirei fundo ar e gelo, toquei com as mãos nuas na neve, deixei-me abraçar pelo branco do chão. Abro os olhos e estou dentro de um quadro, uma paisagem de inverno. Falo contigo, digo palavras sinceras de quem te quer encontrar. Agradeço-te o momento, a visão, agradeço a beleza que vou conseguindo apreciar todos os dias naquilo e naqueles que encontro. Então fecho-me em mim para te sentir, calo-me para te ouvir, fico imóvel, mas não te encontro. Não te toco. Sinto aquele aperto no peito, pesado, ainda. Porque teimo em ter-te na minha vida, se não sei onde estás? Não quero templos e rituais, quero sentir-te ali, sem intermediários. Então, deixo-me ficar... a neve e o dia continuam a cair devagar e dói-me o frio na ponta dos dedos.

Abro o coração e os olhos uma última vez antes de voltar. Vejo as árvores e a neve que se cola a elas, tanta beleza... Vejo o lago branco.... Os barcos dos pescadores cobertos de neve... Aquela beleza és tu e sinto-te ali. A neve cai-me na cara e sinto-o como uma carícia. Abraço uma árvore, despeço-me daquele local, e são os teus braços que me envolvem. Afinal, a felicidade daquele momento estava nas coisas mais simples e voltei para casa a sorrir.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Viagem...

Tenho descoberto o sabor de partir em viagem... Agora, descubro o sabor despretensioso da partilha. Quero ser e estar nesta página, quero deixar-lhe cheiro e cor e sabor. Quero recordar e lembrar-me de ontem, de antes. Do que fui antes de ser agora. A vida é uma construção, mas passei tempo de mais a tentar calcar a terra com as botas sujas, apressado, à espera que a madeira se firmasse. Quero cimentar, quero fundar, quero projectar e lembrar depois, comovido, como foi todo o processo. Chega da pressa! Quero cair no vazio à velocidade da neve, apreciar com todos os sentidos o arrepio, o aperto no peito, o aroma áspero do sal, o tremer de frio, o abraço apertado numa árvore, o secar da pele ao sol. Quero muito sentir…

Então parto em viagem. Começa em casa, com a despedida. Crescer implica sempre deixar algo para trás. Encho-me de mim, antes de sair. Verifico a mala uma última vez e vejo-vos lá, as pessoas que menos me vêem sorrir (quem são vocês, que nunca me deixaram conhecer-vos?). Depois tu. Reconheço-te em mim, com este desdém e simpatia mórbida que sempre me baralharam. A ti também, que foste estando sempre, teimosamente. A vocês, que estavam naquela garagem, miúdos. A ti, que não consigo esquecer, foste muito importante e sabes disso. A nós, como grupo, a descobrir o nosso caminho e a calcar as ervas nos caminhos uns dos outros, a construir sem saber, até hoje. Reconheço-te a ti, que apareceste na minha vida como uma semente (ou fui eu que apareci na tua?), as raízes cresceram fundo e revolveram aquela terra cansada. Cortei-te o tronco e voltaste a crescer. Agora não quero mais cortar, quero ter-te, árvore, para te abraçar com amizade. A vocês, às nossas conversas no caminho velho, às canções, aos cultos, à partilha, ao crescimento… A vocês, que estavam e vão estando comigo enquanto este curso segue que nem rio, a arrastar e esculpir dramaticamente a paisagem. Reconheço-te a ti, flor cor de laranja, que me mostraste um futuro estranho que encheu o meu passado certo com dúvidas e inseguranças. Sabes agora que parte de mim é tua, parte de ti tenho comigo, guardo-a numa caixinha de música que só toca se sorrirmos os dois, ao ritmo certo do teu coração. Imagino um abraço… Estou pronto, posso partir.